terça-feira, setembro 4

Fluorescências

Humm... Só no som, não é? E naquele zumbido de luz, o medo que ele arrasta, pesado de histórias e contos e terrores. Tanto temor perdido e encontrado, fugido, alado, sussurrado em amarras, ensopadas em surdez, nesse... pálido sarcasmo.

Ela vai caindo, vai, vai! A peça. Vai caindo. Olha para ela. Quem a segura, ninguém a segura, agarra-a, quem a segura? A mão, o pé, o nariz, ensopados no chão. A peça caída no puzzle. Pé ante pé, peça a peça, fundidas no sangue.

- Ai meu amor, e agora..? Põe a tua mão na minha. Consegues sentir o coração? Eu sinto-o, amor.
- Sinto esses ossos. Este é tão meu... lembras-te de o sentir?
- Sinto-o agora como se fosse nosso.
- Não é?
- Tu és nosso, amor. E eu sou tua, consegues sentir?
- Consigo.
- Somos peças, caímos lado a lado.

E, no sorrir do momento, os ossos, as palavras, os olhares quebram numa sopa ensanguentada. Cacos.

A peça em cacos. Agarra-a... segura-a... não a deixes cair...

Senta-se no tempo. Há sentidos imersos, a lembrar a omnipresença que lhe veste a camisa. Olha-se ao espelho, olhar apertado, mão rasgada, sempre cansado do pé, o esquerdo. Abre a parede, desce o perfume, pregado nos ombros, com estes pregados à calçada, segura o papel do rosto por escrever.
Com a noite pesada na nuca socorre-se no cumprimento. Encontra um pedaço, um caco. Com a mão esquerda, guarda-o no peito. Com a direita, perde-se no bolso. A lápis, um parênteses, para cima, deitado no rosto.

4 comentários:

Anónimo disse...

Li. Senti. Quero comentar mas não sei que escrever. Too good. Too heavy.
Gostei muito de 'Somos peças, caimos lado a lado.'...
Beijinho, boa quinta feira!

The Artist disse...

Miguel!

Após o pico do Verão fico novamente boqueaberto com a qualidade da tua escrita!!

E só me vem à cabeça: o que fazes em Engenharia? :-)

(não que não seja um bom curso, mas estarão as tuas potencialidades totalmente aproveitadas?)

Anónimo disse...

Um lirismo crescentemente maduro e de assumida contemporaneidade, uma mensagem complexa fortemente metafórica e imagética, de grande liberdade vocabular, onde o tratamento arbitrário do signo linguístico é palco de pulsões intuitivas. São perceptíveis as influências simbolistas e modernistas nessa devassa do inconsciente através da correspondência entre o plano real e o plano interior do "eu" poético.
Há uma auscultação de todas as realidades, na procura do sentido íntimo de si.
Brilhante!

Ana Sofia disse...

obrigada pelo teu comentário no meu blog! Gostei do teu tb!