terça-feira, abril 3

Palavras cheias de nada

Foi ao descalçar a dor que surgiu afinal. A descrição é suja, lava a inutilidade transparecendo o que de facto se passa, a objectiva imagem de sangue derramado.
Não tem sentido... não tem sequer razão de ser...que quero dizer..?
...Feriram-me?
O comentário do punhal afiado foi abafado e seco, quase imperceptível. "Tu és ninguém, tu não tens sonhos".
Tenho sim, preparei-os ontem depois do jantar. Saí à rua era de manhã. O filme não era de sol, nem havia passarinhos a cantar, nem sorrisos a pairar, muito menos guiões cor-de-rosa. A sobremesa caiu naquele preciso momento...
Ahahahahah! Patética falta de estilo...partiste a postura seu corcunda!
Continuei a decompor, a postura, o maxilar, a maçã de Adão, o joelho direito e a hipófise. Todos se ajoelharam perante o teu atrevimento!
Tirei-te os sonhos.
Nunca os cheguei a ter. Desisti deles depois de os preparar.

3 comentários:

Anónimo disse...

Um nada cheio de tudo.

Belíssimo!

JorgeMiguel

Catarina disse...

Um quê de impensamentalismo... :)

Muito bem! =)

@

Anónimo disse...

Revelador de uma agilidade estilística marcante, com uma linguagem de enorme expressividade semântica e morfossintáctica, o "nada" poético remete para a abordagem crua de uma realidade crua que não admite concessões "líricas", numa postura paradoxal com o lirismo de que a mensagem se reveste. O sujeito poético, na sua recusa de devaneios oníricos, apenas se permite a transgressão irónica, mas até ela funciona como apelo ao nada, entenda-se ao repúdio do sonho.
Tudo isto numa linha muito pessoal e que se vai tornando a marca distintiva deste escritor.